Porque “o Batman de Christopher Nolan” não é o melhor Batman

Porque “o Batman de Christopher Nolan” não é o melhor Batman

O Homem-Morcego do diretor é bom, mas é apenas uma de muitas versões

A fogueira dos fãs

Eu confesso: tenho muitas objeções ao Batman de Christopher Nolan.

E eu gostaria muito que isso não fosse considerado um pecado mortal. Mas em qualquer roda de discussão de cultura pop, uma simples crítica ou observação aos filmes do Batman de Nolan me tornam um herege, como se eu estivesse sendo atirado à fogueira.

Quando faço uma observação mais apurada das obras, geralmente ouço: “você não entendeu”; “não são filmes de super-heróis”; “como?”; “é um absurdo, Nolan é um gênio”; “e o Coringa de Heath Ledger? O que você me fala do Coringa de Heath Ledger?”. Por aí vai…

As discussões acaloradas fazem parte do meio da cultura pop. Fãs são ardorosos e defendem seus pontos de vista e suas convicções até a morte e criticar seus ídolos, suas obras favoritas, gêneros musicais que são idolatrados é expor-se à sua fúria.

Só que muitas vezes, ao tecer uma crítica, não estamos “rebaixando” a obra e a esculhambando, dizendo que ela “não presta”. Estamos apenas mostrando uma outra visão ou apontando algo o que não agrada totalmente.

Exemplo: amo os Beatles. Isso quer dizer que todas as suas músicas eu acho legais? Não. Tudo o que fizeram foi genial? Não. Mas quando faço essas observações quero dizer que os Beatles são uma droga? Claro que não! Percebem como reducionismos tiram a capacidade de análise?

Minha “implicância” com o Batman do Nolan

Vamos aos fatos que sustentam minha “implicância” com a versão do Batman feita pelo diretor.

1. Batman não é um super-herói.

Na trilogia “Batman”, Nolan optou pelo chamado “realismo”. Ou seja, Batman vive num mundo “real”, no qual “superseres” não existem.

Esse suposto realismo é amparado nas escolhas, algumas estéticas, do diretor. Todas são releituras do universo do Morcego para que se encaixem em um mundo “crível”. Vamos a elas.

O uniforme do Homem-Morcego e suas armas são protótipos militares, dando a impressão que podem existir de fato.

Gotham City não é um cenário, mas misturas de paisagens de cidades reais como Chicago, Nova York e Londres.

Os vilões, ainda que fujam do habitual, não são espalhafatosos (o Espantalho usa ocasionalmente sua máscara, o Coringa de Heath Ledger veste-se como um gangster com direito até a gravata e Bane é apresentado como se fosse um guerrilheiro). Selina Kyle (Mulher-Gato), maravilhosamente interpretada por Anne Hathaway, veste um uniforme que vagamente, por uns poucos detalhes, lembra uma gata.

A fotografia dos filmes é sóbria, não há espaço para muitas cores e é como se estivéssemos vendo um filme policial. Por falar nisso, Robin agora é um policial que auxilia Bruce Wayne e essa é uma das grandes “surpresas” do filme, típicas do diretor.

Tudo isso confere aos filmes uma suposta “seriedade” e um ar “cabeça”. Para pessoas que querem ver um filme de super-herói sem parecerem “nerds”, eles são a desculpa ideal. Porque daí o filme é tudo: “político”, “crítico”, “inteligente”. Menos um filme de super-herói.

A Marvel quebrou ao meio a tese de que um filme de super-herói deve levar-se a sério e assumiu seu universo como colorido, aventuresco e com doses de humor. Se essa fórmula cansou ou não, é outra discussão. Mas se teve algo de bom na Marvel é que o estúdio provou que pode-se curtir cultura pop sem parecer infantil.

Por isso, por possuir uma certa despretensão, “Batman Begins” é o melhor dos três filmes. É excelente porque é o que menos se leva a sério. Christian Bale, brilhantemente, consegue humanizar Bruce Wayne e ele é um dos trunfos da trilogia. Esse filme seria um ponto de partida, convincente, de que o Universo DC poderia ser divertido e ao mesmo tempo diferente.

Mas a ideia de Nolan de excluir seu Batman do universo de super-heróis teve seu auge em “Batman – O Cavaleiro das Trevas”, que é um filme incrivelmente superestimado.

A história, recheada de temas como política (que de certa forma sempre está presente nas histórias do herói) e questões sociais e éticas (loucura, os limites da sociedade, a questão bem e mal, as leis) não é grande coisa, quando revista.

Credito a atuação de Heath Ledger como o Coringa, o ponto fora da curva que elevou o status do filme.

O Oscar concedido ao ator postumamente, ainda que Ledger realmente tenha merecido, deu ao filme uma aura de obra-prima que, na minha opinião, não merece de fato.

Fosse uma interpretação comum, a avaliação da obra em si cairia muito de patamar. Tirando Ledger, o filme não se sustenta.

Tanto que o filme seguinte, sem o Coringa do ator, foi apático, com a sensação de que tudo ali poderia ter sido melhor.

2. A versão do Batman de Nolan descaracteriza o personagem

O personagem Batman possui várias interpretações desde que surgiu em 1939. Em suas primeira histórias era sério em demasia e até usava armas de fogo; nos anos 50 e 60 se tornou um sorridente e bonachão combate do crime e já nos anos 70 ganhou os contornos que se mantém até hoje: o herói da noite, de poucos sorrisos e extremamente habilidoso na luta contra os inimigos.

Mas uma coisa nunca mudou em todas essas versões: o personagem é um detetive sagaz e inteligente. Tanto que em várias versões da Liga da Justiça, ele assume a função de estrategista e sempre tem uma carta na manga diante de situações adversas.

No entanto, nos filmes de Nolan o seu Batman não demonstra nem de longe a capacidade de dedução do herói. Note que ele está sempre atrás em relação aos seus inimigos, sendo apenas reativo. No segundo filme, Alfred o alertou várias vezes sobre como lidar com uma personalidade caótica como a do Coringa. Além de não ouvir o seu velho amigo, perdeu a ex-namorada. Ou seja, falhou.

Quem o auxilia intelectualmente são Lucius Fox (Morgan Freeman) e Alfred (Michael Caine) – brilhantes -, tornando o Batman/Bruce Wayne um pouco, digamos, limitado em suas análises.

Uma outra característica do Morcego é o apego a sua missão. Ele não desiste, não se abala, vai até as últimas consequências para cumprir seu objetivo, como disse o próprio Darkseid na HQ “Superman & Batman”.

O Batman de Nolan não só protegeu um criminoso, erroneamente supondo que ajudaria a cidade, como se tornou procurado pela polícia e depois simplesmente abandonou a carreira, virando um recluso excêntrico.

3. Nolan atrasou o Universo DC

Em qualquer versão do Batman em toda a sua história, é fato que ele vive no mesmo universo do Superman, Mulher-Maravilha, entre outros, e faz parte da Liga da Justiça.

Porém, como já dito, isso não ocorre no “Nolanverse”. Seu Batman “realista” não convive com outros heróis. Mas convenhamos: num mundo real um bilionário com traumas de infância faria terapia e não se vestiria de morcego para combater o crime; se ele o fizesse, seria considerado louco. Num mundo real, Bruce Wayne, como nos quadrinhos, não existiria.

O Batman que adoramos e conhecemos convive sim com alienígenas, com uma amazona, com um atlante, com feiticeiros e com um homem que corre a velocidade da luz. E isso é tão normal quanto respirar e se alimentar.

Em 2008, o ano de “Batman – o Cavaleiro das Trevas”, a Marvel iniciou seu universo com “Homem de Ferro”. Talvez envaidecida pelo Oscar e pelo sucesso de público e crítica, a Warner apostou tudo em Nolan e aderiu integralmente à sua versão. Ignorou as possibilidades de um universo compartilhado. E isso foi fatal.

Quando a Marvel deu seus primeiros sinais de conexão entre seus filmes, a DC acordou e começou a se mexer com “Lanterna Verde”, em 2011. Mas não deu certo. Além de ser tarde, começou mal. Tanto que depois não conseguiu acompanhar sua concorrente. Na verdade, o “Cavaleiro das Trevas” solitário no mundo “real” e sem heróis custou caro para o estúdio e para os fãs.

O Batman de Nolan poderia ter sido, dado seu prestígio, a porta de entrada para o universo DC, não fosse a pretensão intelectual da trilogia. Bastava uma menção ao Planeta Diário, a Ferris Aeronáutica para que tudo fosse conectado. Mas não…

Veredito

A trilogia de Nolan enquanto dentro de si mesma é ruim? Não. Longe disso. Nolan sabe filmar e contar uma história. Ainda que essa história não seja boa, como é o caso do segundo e do último filme.

Além de tudo isso, a mania de Nolan de sempre deixar seus espectadores com dúvidas em relação ao seu roteiro é irritante.

A discussão “Bruce Wayne morreu ou não” é uma das mais chatas de todos os tempos.

A construção do personagem deixa a desejar, não mostra quem realmente ele é, tornando sua versão aquém do herói que conhecemos.

Se o herói de “Batman Begins” é promissor e empolgante, o dos outros dois filmes é inseguro, vacilante e de uma inteligência abaixo da esperada para aquele que é considerado um dos mais brilhantes personagens dos quadrinhos, intelectualmente falando.

E a ideia de Batman não ser um super-herói contradiz toda a essência do personagem. Se você tira essa casca “super-heroística”, o personagem nada mais é que um excêntrico perambulando em um mundo sério, seco e injusto contra o qual ele não vai vencer nunca e nem irá fazer a menor diferença.

Ou seja, para que ligar o Batsinal?

Czar

Salve, Tribais de todo o planeta, de todos os universos! Sou o Czar, conhecido também como César. Sou professor, pai da Mariana e amante de quadrinhos desde os 9 anos de idade. Amo a DC, amo a Marvel. Viajo pelo espaço com a Enterprise e com ela tento destruir a Estrela da Morte. Com meu chapéu fedora e meu chicote, ando a mil por hora no meu Aston Martin.